17 de setembro de 2005

Pergunte a Madame Ke


Queridíssima Madame,

Só tu que és maravilhosa, linda, meiga, poderosa, simpática, inteligente, lipoaspirada, culta e etc e tal pode responder a essa questão com a qual vivo encafifado.

Há algum tempo, eu tenho uma tara por garrafas de vidro verde-escuras. Isso mermo: ao ver uma garrafa dessa cor, quero levar pra casa imediatamente. Já acumulei mais de 100 garrafas dessas na minha coleção particular. Tenho de todos os tamanhos e formatos: grandes, pequenas, roliças, gordinhas, ovaladas, fininhas, etc.

O problema é que para conseguir as garrafas não vejo limites: já roubei garrafas da casa de amigos e de restaurantes e até já passei um dia no lixão da Muribeca procurando por elas. Se algum dia eu ganhar na Megasena acumulada, eu compro aquela fábrica de garrafas de Brennand. Aí eu vou ter uma fabrica de garrafas verde-escuras só pra mim.

Será isso normal? Freud explica?

Agradeço desde já,

Paetano Treloso
(que, assim como Rapunzel, mora na Torre, em Recife.)

* * * * * *

Prezado consulente Paetano Treloso,

Em primeiro lugar, esteja tranqüilo e confiante porque reconhecer o mal que o aflige e querer se libertar, visando a uma vivência livre, leve e solta (ui, nêga) das amarras psicológicas que tanto o atormentam já é um passo decisivo rumo à saúde e ao seu bem-estar e dos que o rodeiam, no sentindo pederástico do termo.

Pois bem. Digamos que, de um ponto de vista psicanalítico, você sofre de uma sociopatia congênita, que, tomados os devidos cuidados e procedimentos, poderá ser controlada, possibilitando-lhe uma existência menos atordoada e tresloucada. Sim...

Porém, não existe uma cura comprovada cientificamente, por assim dizer. Mas, não se desespere, pois não há nada que, no seu caso, meia hora de cu bem dado não resolva. Mas vamos por partes, como diria Jack, o estripador.

Bem, de acordo com a fotografia e o relato que me foram enviados (no sentido lippoandreniano da palavra), chegamos à conclusão que o consulente sofre do chamado comportamento obssessivo-compulsivo, cujo objeto de fixação (anal) é a famigerada garrafa de cor verde-escura. Esse transtorno comportamental ou sociopatia coloca-o nas mais diversas e constrangedoras situações, que muitas vezes o podem expor ao perigo e ao deboche alheio, pois poucas pessoas têm consciência que essa "mania" é, na verdade, uma doença sobre a qual o indivíduo em questão tem pouco ou nenhum controle.

Digamos que todo o mal tenha sua origem na infância do nosso consulente. Podemos inferir que, na mais tenra idade, essa criatura foi um larápio contumaz de mamadeiras, chucas e afins. No início, o sumiço desses objetos causou muito espanto às pessoas que dele se ocupavam. Aos poucos, foram percebendo que os objetos se encontravam malocados no carrinho, no berço e entre os brinquedos dessa criatura. Porém, um detalhe bizarro chamou a atenção da família: todas as mamadeiras e chucas eram encontradas, porém, sem seus respectivos bicos...

Infelizmente, ao invés de recorrer a uma ajuda profissional, a família tratou de reprimir esses anseios viadísticos do pequeno Paetano, o que culminou na patologia que hoje se percebe no indivíduo em questão.

Hoje, ao invés dos antigos consolos, o paciente transferiu, subliminarmente, seu objeto de fixação para as tais garrafas. Nessa esfera (já muito dilacerada e escoriada pelos acidentes de percurso ano-garrafal), o paciente consegue satisfazer seus desejos mais secretos sem toda a repressão sofrida na tenra infância, mesmo que ele tenha que conviver com o preconceito social.

Num processo de culpa extremamente doloroso (deve ser mesmo!), o paciente procura uma saída honrosa para a sua situação, já que a via natural de saída se encontra em frangalhos, coitadinha. Percebam o sofrimento desse ser humano, dessa pessoa que não mais controla seus desejos recalcados desde uma idade muito sofrida e que hoje, apesar dos rogos da família e dos amigos, não consegue parar e quer ganhar o mundo em busca da sua plena satisfação. Ainda bem que a garrafa da fábrica da Pitú, em Vitória, é preta...

O que podemos sugerir como uma forma de tratamento é um misto de técnicas terapêuticas, que vão desde a ingestão de óleo de rícino até a biodança. Primeira etapa: o consulente deve ingerir, de duas em duas horas, uma dose de 200ml de óleo de rícino. Desse modo, a parte anatômica envolvida no processo em questão estará ocupada o suficiente para que o paciente se abstenha da prática viciante que o compele ao roça-roça e ao sai-e-entra.

Depois de um mês desenvolvendo a terapêutica acima citada, passaremos a segunda etapa do tratamento. Que também é a mais dolorosa - não, o bocal dessa vez será preservado. Falamos da ausência psicológica que será vivenciada, pois o paciente terá que se desfazer das garrafas, jogando-as, uma a uma, num local previamente escolhido e que não seja do conhecimento do mesmo, pois o tempo todo a criatura estará vendado. Ui, mona.

A psicoterapia entrará (no sentido oro-buco-anal) como apoio ao luto que será vivenciado pelo indivíduo. Numa linha freudiana não-ortodoxa, o paciente será levado a deslocar sua fixação para a dança: ballet, jazz e lambaeróbica. Adverte-se que a Dança da Boquinha da Garrafa está totalmente proibida, pois poderá pôr a perder todo o processo de emasculação por tão duras (ai, mulher) penas executado.

Prescreva-se e subscreva-se o presente tratamento.

P. S. O paciente também deverá mudar de bairro haja vista a evocação, mesmo inconsciente, que sua designação topográfica pode remeter (ai, again, baby) à lembrança do antigo objeto de devoção.

Madame Ke. A Lenda. O Mito.


Madame Ke é profissional! Profissional! Profissional! Profissional! Profissional! Profissional! Profissional! Profissional! Profissional!

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