Pernambuco bebendo para o mundo
Giovanni Soares
Há 11 anos, eu tive a (in)felicidade de passar num concurso público aqui em Pernambuco. Fui trabalhar em Caruaru e o meu posto de trabalho ficava "lánacasdicarai". Portanto, eu tinha que chegar em Caruaru, esperar um motorista pra pegar um Jeep que me levasse "lánacasdicarai", já que só 4x4 poderia chegar naquelas serras (e às vezes ainda atolava e só trator tirava do canto), onde eu passava 10 dias direto e folgava 20.
Foi nessa que eu conheci Zé Gomes, motorista do referido órgão público. O cara parecia um Alfred E. Newman visto numa lente de aumento (pra quem não sabe, Alfred E. Newman é aquele baixinho da revista MAD), sempre de sorriso no rosto e um bafo de cachaça iningualável. Zé Gomes iria me levar (sempre) da sede, em Caruaru, em "seu" Jeep, que atendia pela alcunha de Jerôncio, até "lánacasdicarai".
A primeira vez que o cara me levou eu tive um sustozinho. Saímos da sede e já na frente o cara parou numa barraca e pediu uma "larguinha", na verdade um quartinho de cana devidamente engolido de uma única vez. Pra tira gosto o danado ainda pedia "uma lasquinha desse pão aí". Andamos mais uns 5 Km e foi outra "larguinha" e "uma lasquinha desse pão aí". E assim, de tantinho em tantinho até chegarmos "lánacasdicarai", passando pela trilha de enduro que separa Caruaru de São Caetano, entrando em uma porrada de tabuleiro de pirulito que o povo de lá chama de pista e subindo umas serras que mais pareciam ter saído de algum livro de história infantil. Uma mistura de montanha com sacarolha, com uma ribanceira do tamanho do mundo, que, pra não ver o carro rodando naquele barro que mais parecia uma barra (de sabão), Zé Gomes pegava Jerôncio, encostava no barranco do lado e acelerava.
O cara dirigia e era muito, num tinha aperreio, num tinha dia ruim, chuva, buraco que fizesse o cara sair da rota.
Certo dia, quando eu tava "lánacasdicarai", chega Zé Gomes pra me trazer de volta, com uma cara pálida, triste. Preocupado, fui perguntando o que era e ele:
- Rapaz, essa semana eu fui vestir uma camisa e olha pra isso (levantando a camisa mostrou um ferimento). Tinha uma porra de uma aranha na minha camisa que me arrombou, e agora num tô nem podendo beber.
Pense numa torada de aço descendo. O cara não sabia dirigir sóbrio não. Saiu tirando fino em todo mundo, quase mata duas galinhas, um boi, três velhinhas. Caminhão para ele era como se fosse uma moto, os postes atravessavam loucamente a pista enquanto ele desviava. Sei que foi um fuzuê tão ducarai, que só não cheguei em Caruaru todo cagado porque eu tava apertando tanto o oiti que por ali num passava nem pensamento. E o pior, como o cara não tava bebendo, nem parava nos botecos de sempre pra eu tomar umas pra aliviar o coracisco (cisco mesmo, já que ficava do tamanho do substrato do pó da bufa dum musquito).
Sei não, mas acho que tem gente que devia ser proibido de dirigir sóbrio!
Vixe, me lembrei disso deu logo uma sede da gota! Bota uma larguinha pra mim aí, siminino!
Giovanni Soares é ex-presidente do SINPAP (Sindicato dos Papudinhos). Este texto também foi publicado no blog do autor, Pernambuco Bebendo Pelo Mundo.
Foi nessa que eu conheci Zé Gomes, motorista do referido órgão público. O cara parecia um Alfred E. Newman visto numa lente de aumento (pra quem não sabe, Alfred E. Newman é aquele baixinho da revista MAD), sempre de sorriso no rosto e um bafo de cachaça iningualável. Zé Gomes iria me levar (sempre) da sede, em Caruaru, em "seu" Jeep, que atendia pela alcunha de Jerôncio, até "lánacasdicarai".
A primeira vez que o cara me levou eu tive um sustozinho. Saímos da sede e já na frente o cara parou numa barraca e pediu uma "larguinha", na verdade um quartinho de cana devidamente engolido de uma única vez. Pra tira gosto o danado ainda pedia "uma lasquinha desse pão aí". Andamos mais uns 5 Km e foi outra "larguinha" e "uma lasquinha desse pão aí". E assim, de tantinho em tantinho até chegarmos "lánacasdicarai", passando pela trilha de enduro que separa Caruaru de São Caetano, entrando em uma porrada de tabuleiro de pirulito que o povo de lá chama de pista e subindo umas serras que mais pareciam ter saído de algum livro de história infantil. Uma mistura de montanha com sacarolha, com uma ribanceira do tamanho do mundo, que, pra não ver o carro rodando naquele barro que mais parecia uma barra (de sabão), Zé Gomes pegava Jerôncio, encostava no barranco do lado e acelerava.
O cara dirigia e era muito, num tinha aperreio, num tinha dia ruim, chuva, buraco que fizesse o cara sair da rota.
Certo dia, quando eu tava "lánacasdicarai", chega Zé Gomes pra me trazer de volta, com uma cara pálida, triste. Preocupado, fui perguntando o que era e ele:
- Rapaz, essa semana eu fui vestir uma camisa e olha pra isso (levantando a camisa mostrou um ferimento). Tinha uma porra de uma aranha na minha camisa que me arrombou, e agora num tô nem podendo beber.
Pense numa torada de aço descendo. O cara não sabia dirigir sóbrio não. Saiu tirando fino em todo mundo, quase mata duas galinhas, um boi, três velhinhas. Caminhão para ele era como se fosse uma moto, os postes atravessavam loucamente a pista enquanto ele desviava. Sei que foi um fuzuê tão ducarai, que só não cheguei em Caruaru todo cagado porque eu tava apertando tanto o oiti que por ali num passava nem pensamento. E o pior, como o cara não tava bebendo, nem parava nos botecos de sempre pra eu tomar umas pra aliviar o coracisco (cisco mesmo, já que ficava do tamanho do substrato do pó da bufa dum musquito).
Sei não, mas acho que tem gente que devia ser proibido de dirigir sóbrio!
Vixe, me lembrei disso deu logo uma sede da gota! Bota uma larguinha pra mim aí, siminino!
Giovanni Soares é ex-presidente do SINPAP (Sindicato dos Papudinhos). Este texto também foi publicado no blog do autor, Pernambuco Bebendo Pelo Mundo.
Um comentário:
Muito engraçado este post. E muito bem escrito. Eu também acho tem gente que dirige melhor bêbo.
Sds,
Thiago de Góes
www.contosbregas.zip.net
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